Dezembro chegou e, com ele, aquela trilha sonora onipresente de sinos, a polêmica da uva passa no arroz e aquela súbita vontade de ser uma pessoa melhor. É o chamado “espírito natalino”, esse fenômeno anual que amolece até o mais ranzinza dos corações. Entre uma confraternização da firma e a escolha do peru, o desejo de se tornar voluntário brilha mais que os pisca-piscas da árvore da sala. “Este ano eu vou fazer a diferença”, a gente pensa, com o peito cheio de boas intenções.
O grande problema é que esse ímpeto, muitas vezes, tem uma data de validade cruel: o dia 31 de dezembro. Quando os fogos pipocam no céu e o espumante sobe, a promessa de ajudar o próximo costuma ser soterrada pelas metas pragmáticas de “fazer academia”, “economizar dinheiro” ou “aprender um novo idioma”. Que muitas vezes também não são levadas a cabo. O voluntariado acaba virando aquele enfeite de Natal temático que a gente guarda cuidadosamente na caixa de papelão, esquecido no maleiro, para ser lembrado apenas daqui a doze meses.
Mas vamos falar a real? O mundo não para de girar — e de precisar de mãos estendidas — quando as luzes das fachadas se apagam. A magia de dezembro é um excelente combustível, mas quem realmente transforma realidades é a constância. A boa notícia, que muita gente ignora, é que essa transformação é uma via de mão dupla com um retorno absurdo. O voluntariado gera um “salário emocional” que nenhum bônus de fim de ano consegue cobrir. Ele oxigena a alma, expande a nossa visão de mundo e nos tira da bolha confortável em que vivemos.
Muitas vezes, o que nos impede de começar é a mística de que o trabalho voluntário exige sacrifícios heroicos ou uma disponibilidade de tempo que não temos. Esqueça essa imagem de que é preciso atravessar o oceano para ajudar. Na prática, o voluntariado real é um exercício logístico, aliado ao afeto. É muito mais simples do que parece.
Hoje, a tecnologia é nossa aliada. Temos plataformas que funcionam como um “match” do bem, conectando suas habilidades às necessidades de ONGs sérias. Você pode ler para idosos, ajudar na gestão financeira de uma pequena causa, passear com cães de abrigo ou até mentorar jovens profissionalmente de forma remota.
O “pulo do gato” para que esse desejo não se perca entre as festas animadas de janeiro e o Carnaval é a organização. Não trate o voluntariado como uma “sobra” de tempo, mas como um compromisso. Se você consegue reservar duas horas na semana para maratonar uma série ou rolar o feed das redes sociais, você consegue dedicar esse mesmo tempo para impactar a vida de alguém.
O serviço voluntário com bons resultados não precisa de holofotes; ele precisa de presença. Quando você se dispõe a servir, você não está apenas entregando algo, está construindo uma rede de humanidade que torna a cidade e a vida mais suportáveis para todos os envolvidos.
Que em 2026, a sua vontade de ajudar não seja apenas um “post” de rede social no dia 25 de dezembro. Que ela sobreviva às festas, que ela ganhe espaço na sua agenda e que ela se torne o seu melhor hábito. Afinal, o presente mais valioso que você pode dar — e, com certeza, receber — não vem embrulhado em papel de seda. Ele vem em forma de tempo, ação e propósito. Vamos tirar essa vontade da gaveta?
Palestrante, jornalista (MTB 0084753/SP), radialista (DRT 22.201),
consultor, fala de ESG, Voluntariado, Sustentabilidade.
Construtor de “pontes”
@roberto.ravagnani



