Publicação: 10 de dezembro de 2011Categorias: Entrevistas

 Pré-Sal deve financiar fundo de educação, defende economista

Em entrevista exclusiva à Carta Maior, a economista Maria da Conceição Tavares defende que o dinheiro do petróleo das reservas do Pré-Sal seja investido num fundo destinado à Educação e Saúde, mas desde que o Governo Federal seja o gestor dessas políticas. Ela propõe ainda uma revisão do generoso municipalismo instituído pela Constituição de 1988.

A economista Maria da Conceição Tavares tem 81 anos e adquiriu o direito de falar tudo o que pensa. E está longe de fazer isso com moderação. Não é incomum que esteja dialogando com ex-alunos, corrigindo-os ou emitindo juízos de valor sobre eles.

Carta Maior: A senhora já afirmou que `Deus me livre do Pré-Sal’. Por que o Pré-Sal pode ser tão ruim?

 Maria da Conceição Tavares: País exportador de petróleo é um desastre total. Nenhum país que fez isso deu certo. Os países exportadores de petróleo se deram mal completamente. Veja México, Rússia e Venezuela. O petróleo é uma commmoditie muito instável, muito sujeita a especulações no mercado futuro. E como é muito lucrativo, o país reinveste e não faz mais nada, senão petróleo. Veja, por exemplo, a Venezuela. O homem que está lá [Hugo Chávez] há tantos anos, o que ele fez? Um pouco de política social, mas nenhuma política de desenvolvimento econômico. E a Rússia, tem o quê? Tem petróleo e armas – e isso não é muito legal. Não estou dizendo que não se exporte petróleo, mas que não se fique nadando na riqueza petrolífera e que não deite em cima dela. Não acho que é um berço esplêndido. Não se pode deixar o petróleo contaminar as expectativas. O pessoal começa só a pensar em petróleo e não faz mais nada.

CM: Não achar que é a loteria, né?

Conceição: Todos os países que têm petróleo acharam que ganharam a loteria.

 CM: Como se faz para prevenir isso?

Conceição: Primeiro, não exportando apenas o petróleo bruto. Tem que fazer a cadeia toda: petroquímica, fertilizantes etc. E, ao mesmo tempo, fazer um fundo federal de petróleo para dar conta pelo menos da Educação e Saúde – e talvez Ciência e Tecnologia. Mas não se pode polvilhar o fundo. Não adianta ficar picando o fundo porque isso não resolve nada.

CM: A briga federativa em torno do Pré-Sal, então, não é boa.

Conceição: Não, não é boa, simplesmente porque espatifa os recursos.

 

CM: Os Estados impõem dificuldades a uma política nacional de desenvolvimento?

Conceição: Impõem, mas não podem impor. A Petrobras é uma empresa estatal, federal, e o Governo Federal não pode topar e permitir que cada um faça o que lhe dá na telha. Não dá para disputar os recursos todos. Isso não vai adiantar nada. O que a gente faz com o dinheiro dos royalties aqui [no Rio de Janeiro]? Nada. O que as prefeituras com recursos do petróleo fizeram? Nada. Jogam fora os recursos em gastos correntes e ninguém sabe no quê. Não deram prioridade à Educação ou à Saúde. Espatifar o fundo não pode. O fundo é federal, e os Estados e Municípios não dão conta de fazer nada. É preciso que se faça políticas federais de Educação e Saúde, agora mais orientadas estrategicamente. Senão não resolvemos essa brecha maldita que temos aí.

 CM: Os Estados e os municípios fracassaram como agentes de políticas de Educação e Saúde?

Conceição: Fracassaram. Os caras não pagam nada. Essa é uma ideia que veio erradamente, de que a descentralização melhorava a democracia. A esquerda tinha aquela ideia maluca de que um Governo Federal forte era coisa da ditadura, e quis desmontá-lo. E daí a descentralização. Mas a realidade é que o município não consegue gastar nem o que deveria gastar nessas políticas. O estado em que se encontra nossa Saúde é uma vergonha. É uma vergonha o estado em que estão nossos hospitais. Os Estados pegaram os hospitais federais e tiveram que voltar a ajudá-los, senão seria um descalabro. Tem que dar uma ajeitada na governabilidade, na gestão, na orientação estratégica do SUS e da Educação. Essa ideia de que o ensino fundamental e o secundário não dizem respeito ao Governo Federal é uma besteira. Os Estados e municípios sequer pagam nem aos professores, e a primeira política para melhorar a educação é pagar bem aos professores. Treiná-los e pagá-los bem.

 CM: O Governo Federal desempenharia melhor essa função?

Conceição: Mas é evidente. Os programas estaduais e municipais de saúde não prestam para nada. É fundamental que a Saúde não seja estadualizada ou municipalizada. Pelo menos os hospitais de referência e as redes integradas de Saúde não podem depender dos prefeitos.

CM: E a política de desenvolvimento e industrialização, como se faz?

Conceição: Tem que fazer um monte de coisas. Tem que fazer Ciência e Tecnologia, tem que fazer o PAC, que é o programa de infraestrutura, mas com encomendas do setor público para integrar as cadeias. Tem que forçar a barra em cima das multinacionais automobilísticas, de eletroelétricos, fármacos e química fina para que aumentem o coeficiente de nacionalização, que está muito baixo. E tem que olhar um pouco esse câmbio, que está muito ruim. Mas tem que olhar o câmbio com cuidado. Não se pode simplesmente fazer uma maxidesvalorização, pois isso seria provocar um choque inflacionário. Isso tem que ser progressivo: você baixa os juros e o câmbio vai subindo.

CM: Existe um piso para os juros? É possível reduzir muito os juros com a poupança indexada?

 Conceição: Pode baixar os juros o tanto que você quiser. O juro não é para a poupança, mas para a especulação e para o rentismo. A poupança é para os pobres. Não é possível manter uma taxa de juros tão disparatada quanto a nossa. Assim é impraticável. Uma maneira de combater o déficit público é baixar os juros. Praticamente todo o déficit do Brasil é com juros. Nós temos superávit primário. O déficit nominal é todo resultante de juros. Tem que baixar. Estamos numa situação de ampla liquidez mundial e com taxas de juros mundiais praticamente a zero.

CM: Que chances o Brasil tem de sair melhor dessa crise mundial?

Conceição: Boas. Essa crise tem uma coisa ruim, talvez seja mais pesada porque é mais prolongada. Mas temos um mercado interno grande em crescimento, o governo está fazendo uma política correta de salário mínimo, porque ela tem puxado os de baixo. As chamadas novas classes médias resultam do fato de que o grosso das remunerações dos salários no país estão em torno do mínimo. No governo Lula, houve um aumento de 60% no mínimo, o que resultou num aumento cavalar do poder de compra. O poder aquisitivo do salário mínimo tem que ser mantido. Não me venham com essa história de que a Previdência vai ter problemas, porque isso é bobagem. A Previdência vai ter problemas quando terminar a folga demográfica, o que vai acontecer só daqui a 10, 18 anos. Esse é um problema da distribuição de renda que é muito importante para o desenvolvimento.

CM: E a balança comercial?

Conceição: Tem que forçar a barra das multinacionais. Elas estão abrindo e importando. Claro que também tem o câmbio, que precisa ser mexido, mas isso não basta. Como eles estão mal, em crise, querem exportar para cima da gente. Daí começa uma invasão de importados que pode piorar o mercado. O cenário externo, desse ponto de vista, pode piorar a situação externa. A gente tem que ficar atento. E tem que estimular o investimento privado na cadeia produtiva porque o investimento público está indo bem.

CM: O período que o país está vivendo tem paralelo em nossa história?

Conceição: Não tem nada parecido com isso, pois passamos anos e anos, antes disso, em hiperinflação.

 CM: Qual a avaliação que a senhora faz do governo Dilma?

Conceição: O Lula, no começo de seu governo, dadas as condições do país, foi de fato obrigado a fazer uma política econômica ortodoxa, mas depois ele deu uma confiança muito grande para o Palocci e aquele cara do Banco Central, que era um conservador de marca maior. Aí ele fez mal. Lula é muito bom para a política social, para a política externa, na ideia de soberania, mas essa coisa de economia ele não dá muita bola. A Dilma tem uma boa equipe econômica, inclusive as mulheres do Planejamento – aquelas mulheres são duras pra burro. Elas é que estão tocando a braços o PAC. Tem uma quantidade de mulheres duras nas subsecretarias que eu vou falar.

CM: Na economia, então, Dilma está ganhando?

Conceição: Existe mais capacidade gerencial no Ministério do Planejamento e maior preocupação em fazer uma macroeconomia mais favorável ao crescimento, mais preocupação com o planejamento a longo prazo, e mais preocupação em fazer uma política econômica mais favorável ao crescimento. Essa é a diferença. O resto não tem diferença nenhuma.

CM: A impressão que dá é que tem uma equipe econômica mais coesa, não é?

Conceição: É, pois é.

 CM: No governo Lula você tinha a política econômica de um lado e a política monetária de outro, é isso?

Conceição: É isso. Porque a presidenta é uma economista e uma gerentona. Nós temos uma presidente que é do ramo, e isso ajuda para burro. Eu sei porque ela foi minha aluna, ela é um brilho, ela é brilhantíssima. Além de ser firmona. Eu estou otimista, claro, frente à desgraça mundial. Eu posso estar nadando de braçada não estando, não é? Este ano, podemos chegar a 3% de crescimento, no ano que vem também não deve dar muito, mas você encaminhando os eixos estruturais do desenvolvimento, você tem condições de enfrentar bem a crise e ficar mais autônoma. E depois tem todos os recursos naturais, a possibilidade de fazer energia limpa etc.